Cemitério
– “Antes de existirem os cemitérios municipais, cada Igreja tinha seu próprio cemitério. Em alguns casos, como na Catedral de Florianópolis, os corpos eram enterrados entre as paredes.” O Cemitério Municipal da Lagoa da Conceição é um local que sepulta as pessoas falecidas. O cemitério é o destino final das histórias de várias personalidades que, um dia, andaram pela nossa cidade. É um lugar onde se aproxima a dor da perda, o amor e a saudade que sentimos do ente querido que agora descansa no além. De acordo com Elisiana Trilha Castro, o cemitério é o terreno que se destina à sepultura dos cadáveres humanos, pelo que define o dicionário. Lugar de descanso para muitos, lugar de passeio para outros, e lugar de tristeza. O cemitério é lugar de história: uma história enterrada junto daqueles ali sepultados que viveram e deixaram seu nome na vida de outros. É a dor diante da morte que faz do cemitério, da sepultura, do doente, do luto e de tudo mais que a permeia, um grande tabu, que mesmo tratado como inexistente, continua a nos fazer pensar nos diversos sentidos da mesma, quando nos deparamos com ela. Se a vida encontra seu fim na morte, porque não discuti-la, pensá-la, como uma oportunidade de melhor compreender as relações que homens e mulheres travaram e travam durante suas vidas, seu fazer histórico cotidiano, diante do conhecimento da morte e, conseqüentemente, da sua inevitável chegada um dia? A sepultura que guarda o corpo, a terra que o cobre, o túmulo que lhe dá o descanso, o epitáfio que dá identidade e registra a saudade: eis o cemitério. Lugar de muitas crenças e descrenças, este ainda faz parte de diferentes expressões do sagrado, lugar de respeito, mesmo para aqueles que não esperam o Juízo Final. Independente das crenças existentes em torno da morte, em várias sociedades e culturas os cemitérios representam a vulnerabilidade da vida humana e, por maior que seja a crença em continuidades, novas vidas, outras vidas, a morte encerra muito das preocupações humanas, mostrando que muito do que foi planejado, pensado, não tem mais o seu por quê. Mesmo simples covas ou pequenas gavetas, que se contrapõem aos grandes túmulos com seus monumentos, julga-se que todos devam ter direito ao seu espaço, ainda que concedido por pouco tempo. Esses espaços de sepultamento e seus epitáfios referem-se à perda e aos que viveram, aos sentimentos partilhados no momento da despedida e com suas mensagens para os vivos junto aos retratos, dão vida ao morto, sendo referência dos que foram. Diferentes dos enterramentos coletivos nos chãos das igrejas ou em suas paredes, é o cemitério extramuros, com suas sepulturas individuais e mausoléus, feitas com os mesmos materiais que constróem a morada dos vivos e que oferecem resistência física a morte, que vai abrir a possibilidade, de registrar a presença dos que ali estão enterrados, como formas de delimitação do espaço, um espaço que agora cada um ocupa individualmente ou em família. O anseio de monumentalizar a morte, atitude de uma sociedade que destina também seu dinheiro aos mortos e ao seu culto, questiona a Igreja e o seu poder perante os vivos e os mortos. O túmulo assegura a memória e a permanência, num lugar de saudade e de apego. Lugar da memória e do sentimento de perda eterna, que nos desafia. Entre os laços de afetividades firmados com aqueles que muito amamos, o cemitério é o lugar da dor, da distância, da impossibilidade de combater a morte e sua determinação que a todos atinge. Dentro do cemitério, a arquitetura era agora a grande responsável pela identificação da memória dos que ali estavam, diferente então, da quase ausência de representação fúnebre dos sepultamentos na igreja, onde a Legislação Eclesiástica ordenava que não houvessem sobre as sepulturas nenhum tipo de túmulo, nem imagens, nem o nome de Jesus ou da Virgem Maria: um duelo entre a Igreja e a privatização da morte com suas sepulturas individuais e seus ornamentos. Mas apesar da secularização dos cemitérios e de sua saída das igrejas, a religiosidade presente nos cemitérios mostra que por mais que se busque secularizá-lo, ele ainda atém-se ao mundo espiritual em suas referências. São túmulos, cruzes, santos, anjos, que muitas vezes parecem altares, capelas, e que nos remetem ao ambiente religioso e a sua presença mesmo depois da saída dos mortos de seu interior. Mas a sepultura resiste à própria morte e está lá, muitas vezes quando nem os ossos mais estão. A sepultura, com a solidez de seus monumentos que o tempo fere, mas muitas vezes não derruba, guarda uma lembrança que persiste para além da morte. Mas, mesmo assim, para quem morre só resta o passado, o morto adentra o passado e dele passa a fazer parte.